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IARA
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Conta a lenda, que antes dos homens do outro lado pisarem na terra vermelha daqui, havia uma tribo indígena cuja bravura de seus homens e mulheres fizeram um novo mundo. E lá no fundo da Floresta Amazônica uma história começou quando  uma menininha chamada Iara[1] nasceu.

Assim que Iara nasceu, o pajé,  pai de Iara,   apresentou a indiazinha à  Jaci, lua em tupi-guarani. Iara cresceu sob o olhar de Jaci e o pajé se orgulhava da filha.

Iara tinha dois irmãos. Eles eram muito temidos na aldeia. O Pajé sempre fazia suas orações à Tupã para que os seus filhos seguissem o seu caminho.

Iara brincava com os seus irmãos. Ela corria pelas matas , era amiga dos animais e com eles se comunicava. Sob o olhar de Jaci, Iara crescia e se transformava em uma habilidosa guerreira.

Iara gostava de imitar seus irmãos. Eles eram mais velhos. Mas, eles zombavam porque ela não se comportava como as outras meninas da aldeia. Iara adorava caçar, lutar no barro, atirar com arco e flecha, remar, nadar. Ela corria mais rápido do que qualquer menino na aldeia. Mas, o comportamento dos seus irmãos a entristecia.

O pajé os repreendia:

- Acauã! Cauré! Iara é protegida de Jaci, não façam nada que a fira e a desagrade.

Os irmãos de Iara davam gargalhadas e corriam por toda a aldeia gritando:

- Não pai, Iara é nossa irmã, nós cuidaremos dela.

Num dia de lua cheia, como uma demonstração de bravura, Acauã e Cauré decidiram sair para trazer ao pajé os pelos de uma onça. Iara não esperou ser chamada, ela sabia que seus irmãos não a deixariam ir. Então os seguiu sem que a notassem. Eles adentraram nas profundezas da floresta.  

Após uma hora de caminhada, Iara sem titubear os alcançou.

- Também quero tosar uma onça. Vou exibir como um troféu e todos na aldeia deixarão de dar conta de suas troças comigo – disse Iara ao se aproximar dos seus irmãos.

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Acauã e Cauré não acreditaram ao ouvir a vozinha de Iara.  Como puderam vir tão longe sem se dar conta da presença de Iara? E agora? O que fazer?

Já era quase noite, dificilmente chegariam até a aldeia sem topar com algum perigo. Resolveram descansar sobre uma gigante folha de Coccoloba.

Ao amanhecer os dois irmãos se deram conta que Iara já não estava mais ali. Uma pequena serpente se arrastava sobre a folha de Coccoloba onde Iara tinha dormido. Onde estaria Iara?

 

Acauã e Cauré saíram gritando por Iara.

Nada. Nenhuma resposta. Somente o som da floresta que despertava.

Cauré era um exímio rastreador. Saiu perseguindo os rastros de sua irmã, ainda, frescos.

 

Correram! Correram! Correram! Correram! Pararam.

Os rastros de Iara diziam que ela havia escorregado e caído em um barranco. Profundo. Mas, Cauré e Acauã não viam mais sinais de Iara. Desceram pelo barranco e avistaram um enorme buraco coberto por pequenas plantas que pulsavam pelas encostas. Não viram nada. As plantas eram densas  e o fundo escuro.

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Cauré e Acauã resolveram voltar à aldeia e contaram a seu pai tudo o que aconteceu. Acreditavam que nunca mais veriam Iara, pois, certamente, para eles, ela havia caído no enorme buraco.

Ao chegarem à aldeia, o pajé já sabia o que tinha acontecido.

Na noite que Iara partiu, o pajé foi visitado por Jaci em seus sonhos. Jaci o reconfortava. Iara estaria sob a luz de Jaci que sempre iluminou os seus passos. Um dia ela seria a deusa dos rios e traria equilíbrio entre a flora,  fauna e os humanos.

-  Esse dia chegou. - disse Jaci ao pajé.

O pajé nada disse aos dois irmãos. Respondeu que talvez um dia, todos saberiam sobre os desígnios de Jaci para Iara.  

O tempo passou.

Cauré e Acauã, agora, tornaram-se homens fortes e responsáveis pela sua aldeia. Cauré, o mais velho, tornou-se o líder.

Uma tragédia se abatia sobre a aldeia. Muitos homens que saiam para caçar, não voltavam. Restavam mulheres e  crianças.

Um desses homens saiu pela manhã. Sua mulher e suas crianças ainda dormiam nas redes espalhadas pela oca. Ao sair, ele não disse nada. Não podia ficar ali, imóvel, tinha que fazer alguma coisa. Sua família e a tribo precisavam de sua ajuda. Tinha que provar que havia uma solução para aquilo que ninguém conhecia. Tomou arco e flechas, pintou-se com as cores de urucum e jenipapo. Saiu.

A aldeia logo despertou com um grito de lamento. A mulher do bravo guerreiro chorava. Ela lamentava. Lamentava por não ter se despedido, lamentava por não ter lançado o último olhar aquele guerreiro que jamais voltaria.

Naquela noite, sem estrelas e sem luz. Jaci, presente nos sonhos do pajé, disse que era o momento. Finalmente, a sua tribo poderia descansar e o pajé teria novamente a confiança dos homens e mulheres.

ão ter se despedido, lamentava por não ter lançado o último olhar aquele guerreiro que jamais voltaria.

Naquela noite, sem estrelas e sem luz. Jaci, presente nos sonhos do pajé, disse que era o momento. Finalmente, a sua tribo poderia descansar e o pajé teria novamente a confiança dos homens e mulheres.

Em um entardecer, na floresta profunda, os animais estavam inquietos, gritavam e corriam em círculos, pareciam desesperados. Uma imensa nuvem de fumaça se formava ao céu. Era fogo que avançava com o forte vento. A floresta estava úmida, mas o fogo impiedoso se alastrava e devorava tudo o que tocava. Eram os homens madeireiros gananciosos e ávidos por tomar aquelas terras.

 

Atearam fogo na floresta matando animais, árvores e todo o tipo de plantas únicas naquela região.

- Vamos, não temos o que fazer, o fogo está cada vez mais próximo. Deixem tudo, não há tempo. – ordenava o Pajé à tribo olhando para o horizonte vermelho e as enormes nuvens negras no céu. -  Cauré, Acauã junte alguns homens e busquem água para abrir o nosso caminho.

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Mas, algo estava prestes a surpreender. As pessoas contariam algo milagroso.

 

Uma enorme onda surgiu e cobriu o fogo sobre a floresta. A água era tão forte que arrastou os homens madeireiros para dentro da floresta. Cauré e Acauã assustados voltavam junto com outros indígenas da fracassada missão.

- Nós vimos. Nós vimos uma mulher. Ela era, a mulher dos rios. Ela acabou com o fogo. – gritava Cauré sendo observado pelos outros indígenas que estavam com ele.

- Não há pelo que se alarmar, Cauré. – disse o Pajé – Acauã, conte o que vocês viram.

- Cauré tem razão. Era uma mulher. Ela estava entre as águas. Graças a ela não há mais fogo. O homens madeireiros foram engolidos pelas águas, mas nada aconteceu com a gente.

- Temos que agradecer a Tupã, Jaci e a senhora das águas – dizia o Pajé chamando toda a tribo a fazer oferendas  ao redor da fogueira sob a vigilância de uma grande lua cheia.

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Depois de um tempo de calmaria, houve um dia,   após o despertar do galo, em que o Pajé ordenou que Cauré e Acauã saíssem em busca dos homens que deixaram a aldeia e não retornaram. Chamaram oito valentes guerreiros e bons caçadores da tribo que pediram a bênção ao pajé:

- Que Tupã os acompanhe! Que Jaci saia de suas sombras e ilumine os seus caminho! Tragam aqueles que se foram e deixaram a tristeza sobre a nossa aldeia – rezou o pajé.

Cauré e Acauã chegaram com os seus guerreiros no encontro dos Rios Negros e Solimões. O sol já estava dizendo bom dia e a floresta quebrava o silêncio pouco a pouco.  Todos ouviam ao longe uma bela melodia. Inebriante. Contagiante. Escutavam  uma canção que se aproximava.

Não, a canção não se aproximava. O homens se aproximavam...cada vez mais das margens do rio. Os guerreiros estavam hipnotizados pela melodia. Todos se dirigiam ao rio. Todos. Menos Cauré e Acauã.

Um a um, os homens caiam na águas dos Rios Negros e Solimões. Incrédulos Cauré e Acuã olhavam aquela trágica cena. Quando algo mais inconcebível aconteceu. Um enorme peixe se aproximava.

Mas, não era um peixe. Era uma mulher. Era um peixe. Uma criatura metade mulher, metade peixe. Uma sereia com longos cabelos negros que deixavam um imenso rastro sob as águas.

- Cauré, Acauã voltem e digam ao pajé que estou bem. Sou protetora dos animais, das florestas, de toda a natureza - disse a criatura aos dois irmãos.

Por um momento não entendiam o que se passava, até se darem conta que era Iara.  Iara continuou  a falar diante dos  dois homens perplexos. 

- Jaci me protegeu quando cai no grande buraco de Odexi. Jaci me deu a opção de viver eternamente nesta forma mulher-peixe ou morrer.  Neste instante Iara saiu da água e sua cauda se transformou em pernas.

 

- Vejam o que eu sou agora.

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Os irmãos abraçaram Iara. Afastaram-na, olharam-na e disseram:

-  Mas e os homens da aldeia o que você fez com eles? -  perguntaram os irmãos já recuperados. 


- Todos os homens são enfeitiçados pelo meu canto.  Essa foi a condição que Jaci me deu ao me oferecer a vida. Apenas os meus irmãos e meu pai estão livres do meu encanto. Há homens que farão mal à floresta e eu estarei aqui para protegê-la.

- Iara, venha conosco. O pajé irá pedir a Tupã que interceda por você. Pedirá a Jaci a sua volta a nossa aldeia – apressou-se Acauã .

-  Não posso. Jaci precisa de mim. Precisa de mim para manter o equilíbrio entre a terra, o rio, os animais e os humanos. Agora esse é o meu destino. Eu precisava dizer ao pajé que estou bem. Que ele pode viver em paz, que eu sou uma guerreira das águas.– disse ao partir Iara.

Iara  mergulhou nos Rios. Deixou para os seus irmãos um colar onde havia a luz de Jaci. Quando precisassem dela, bastava apontar o colar em direção aos Rios. Os dois irmãos voltaram à aldeia. Contaram toda a história ao pajé.

Naquela noite, todos os homens que um dia partiram, retornaram à aldeia. Contavam historias fabulosas vividas sob as águas dos Rios Solimões e Negro guiados por uma guerreira metade mulher, metade peixe.

Guerreando contra os homens que feriam a floresta com fogo e máquinas de dentes.

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Texto e ilustrações: Cida Chagas

Orientação nas ilustrações: Beto Vieira

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